domingo, 6 de abril de 2014

Por que enegrecer o feminismo?

Por Mara Gomes e Mariana Gonçalves


“Quando falamos no mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres, de que mulheres estamos falando? Nós, mulheres negras, fazemos parte de um contingente de mulheres, provavelmente majoritário, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito, porque nunca fomos tratadas  como frágeis. Fazemos parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas... Mulheres que não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar! Fazemos parte de um contingente de mulheres com identidade de objeto. Ontem a serviço de frágeis sinhazinhas e de senhores de engenho tarados. Hoje, empregadas domésticas de mulheres liberadas e dondocas, ou de mulatas tipo exportação”
                                                                                                                  Sueli Carneiro

Entendemos como Feminismo Negro o movimento social que visa apontar e desconstruir formas de opressão, tanto de gênero quanto de raça, visto que a mulher negra enfrenta, diferente da mulher branca cis, uma dupla opressão por sua raça e gênero. Com isso, também, na maioria das vezes, a classe social surge como um grande fator nessa relação, porque é fato consumado que grande parte da população negra é periférica e pobre, logo isso faz com que a mulher negra carregue uma tripla opressão, ou seja: raça, classe e gênero. 

Observamos que o movimento feminista traz consigo  uma tendência de unificar a opressão como se ela fosse apenas uma e igual para todas,  esse pensamento é herdado do pensamento abordado na primeira e na segunda onda feminista que lutavam, primariamente, pelo voto feminino, um lugar no mercado de trabalho e independência, todos esses fatores direcionados a mulher branca. Por mais que a nossa luta possa (e deva) ser unificada é preciso observar as diferenças que todas as mulheres carregam e pluralizar os modos de ser e de se definir como mulher. Enquanto as mulheres brancas buscavam sair de casa e trabalhar para buscar sua independência, as mulheres negras já estavam nesse mercado de trabalho, majoritariamente em trabalhos desumanos e abusivos, trabalhos que buscavam servir unicamente para mulheres e homens brancos e hoje em dia isso não mudou muito. Antes de nos livrarmos das amarras do machismo tivemos (ainda temos) que nos livrar das amarras do racismo, uma opressão que vem tanto de mulheres quanto de homens brancos. 


Assim, conjuntamente, percebemos que a forma racista e machista que somos abordadas dentro da sociedade, tanto pela mídia quanto pelas instituições, nos leva a receber um tratamento diferente no dia-a-dia dentro dessa sociedade que além de patriarcal é também racista. Esses fatores não só nos diferem na vida como nos diferem na luta, nossas pautas são outras, pois quando se trata de desemprego, violência doméstica, padrão de beleza, educação quem sofre mais são as mulheres negras. Vivemos numa constante situação de estigma, quando os estereótipos nos enxergam enquanto seres voltados para o sexo e não aptos para ocupar espaços de poder e visibilidade. 

Fazemos parte de um contingente de mulheres ignoradas pelo sistema e concordamos com Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez, Patricia Collins e tantas outras defensoras do Feminismo Negro, que afirmam a necessidade da luta conjunta para a “superação de ideologias complementares desse sistema de opressão, como é o caso do racismo”. Julgamos importante e necessária, a consciência de nossas companheiras ao enfrentar o machismo contemplando uma visão feminista e anti-racista, refletindo acerca das diferentes formas de opressão que sofremos diariamente e destacando a história de lutas que, nós mulheres negras, travamos há muito tempo.

Enegrecer o Feminismo é uma tarefa que deve ser coletiva, alcançando nossas companheirxs na tomada de consciência da luta cotidiana da mulher negra, da resistência que enfrentamos quando não temos a dita “boa aparência” para ocupar determinados postos de trabalho, mas sim para sermos apenas a mulata do carnaval. Resistência para ter a capacidade de enfrentar as mais diversas situações de machismo e racismo vividas cotidianamente e, ainda assim, nos afirmarmos enquanto mulheres, negras, reivindicando sempre, a construção de uma sociedade onde a diferença seja valorizada e não mais inferiorizada. 

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